terça-feira, janeiro 05, 2010

Subjetividade e Crise Financeira
A tão preocupante crise financeira que já levou até agora cerca de 20 instituições dos Estados Unidos ao fechamento de atividades (falência) de há muito permitiu previsão e esta foi realmente feita por especialistas.

Embora só neste período final de 2008 chegasse finalmente ao ápice um curso macabro que já não permitia ocultação, ainda parece presente uma dança de números segundo o noticiário internacional.

Não se percebe ainda medida objetiva que possa estancar a fonte dos males, pois, a preocupação atual está apenas em apagar o incêndio, sem pensar como se evitará com segurança que outro no futuro venha a ocorrer com o inflamável que permanece sob as cinzas.

Alguns Bancos estão transformando expressivas perdas em grandes lucros ao sabor de novas normas, segundo a imprensa tem noticiado.

A desordem financeira com reflexos daninhos na economia, entretanto, resulta de fatos que foram antecipadamente detectados e difundidos; o problema que atinge a muitas nações, a previsão de estagnação ou de baixo crescimento em 2009, resulta de fatos advertidos há mais de dez anos.

O jornal italiano "Corriere della Sera", há dias noticiou o "desastre" em relação ao seu País, o "Le Monde", face à situação na França, o Diário de Noticias, acerca da de Portugal (onde há dias se fechou um importante Banco o BNP), em suma em todas as partes as manchetes parecem padronizadas.

Nada, entretanto, que não tivesse sido absolutamente previsível por quem tem cultura, competência para analisar e sinceridade para advertir sobre o que sucederia.

Basta lembrar Lyotard, um dos mais representativos filósofos modernos franceses, que escreveu importante obra já em seus últimos anos de vida, em 1979 (em seu livro A Condição Pós-Moderna), vertida para o inglês e espanhol, apontando o que entendia como verdadeiro ponto débil da questão e a falsidade da informação.

Também, há cerca de cinco anos, ao ser admitido na Real Academia de Ciências Econômicas e Financeiras, da Espanha, o emérito catedrático de Economia Financeira e Contabilidade da Universidade de Barcelona, Dr. Didac Ramírez Sarrió, confirmou a tese de Lyotard (matéria que foi editada por aquela importante entidade de cultura que tenho a honra de pertencer).

Desde os fins da década de 70 vinham advertindo sobre todas as manobras empreendidas, Abrahan Briloff, da Universidade de New York e a "Comissão Parlamentar de Inquérito", cujo relatório em 1760 páginas foi publicado pela Imprensa Oficial do Senado dos Estados Unidos, liderada pelo senador Lee Metcalfe (Establishment Accounting).

Nada de surpresa, entretanto, para quem acompanha a questão com responsabilidade, ética e inteligência.

Inclusive quando se votou nos Estados Unidos uma lei especial para "conter o ensejo de fraude", a singelamente denominada SOX, por mim foi advertido em artigos que se estava a combater "efeitos" e não a verdadeira "causa" da questão.

Seguindo aos que de forma honesta enfocaram a matéria, o estudo de Sarrió também denunciou a fonte que Lyotard evidenciou, ou seja, o "culto ao subjetivismo" que anulou o "objetivismo", este que deve imperar nas ciências, especialmente nas humanas.

A falsa informação sobre a situação das empresas continuou a existir.

Tivesse havido "objetividade" em demonstrar a situação das empresas, em vez da "subjetividade" ensejada pelas ditas Normas de Contabilidade e não ocorreria o mascaramento derivado da aludida "engenharia financeira".

O abandono da ciência, a troca da realidade objetiva pela conveniência de grupos de especulação, resultou em um modelo que se sustentou a custa de inversão de muitos milhões de dólares para que tivesse aparência de qualidade; isso, na essência, o que fundamentalmente denunciou na Espanha Ramirez Sarrió (em trabalho editado sob o título "Sobre la crisis actual del conocimiento cientifico" - Barcelona 2002) apoiado nos estudos do eminente pensador moderno Lyotard; assim, também, alertaram nos Estados Unidos Briloff e Zeff, como advertiram em Portugal os eméritos professores Rogério Fernandes Ferreira, Domingos Cravo e Hernani Carqueja, eu e o ilustre mestre Koliver no Brasil em muitos artigos, há décadas.

Nossas advertências foram sufocadas por uma intensa e organizada estrutura interessada em defender o subjetivismo, mas, sem competência para evitar a crise que acaba de uma vez mais explodir (e que é mais uma em uma série de várias já sucedidas, mas, sem dúvida uma das maiores).

Não se pode culpar a Contabilidade por tudo isso e nem o fizemos, jamais; evidenciamos, sim, o que em nome dela, com ares de suposta superioridade e força de suporte de milhões de dólares, se apresentou sob o argumento de uma "convergência", estruturado em complexa entidade particular emissora de normas.

A CTOC, liderada por António Domingues Azevedo, instituição oficial dos contadores de Portugal, acusou de incompetente a entidade produtora das Normas, o IASB, pela adoção e imposição de bases subjetivas, realizando dessa forma advertência responsável e ética; no IX Congresso Internacional de Contabilidade do Mundo Latino, neste 2008, igualmente as advertências voltaram a ser feitas.

Tais previsões e avisos, na prática, entretanto, ainda não surtiram os efeitos necessários; o que estamos a observar como crise e que tem, além de outros motivos, raiz nas informações que ensejam a "subjetividade", continua abrindo portas às maquinações.

Antônio Lopes de SáCrise financeira e realidade contábil
A falta de cultura contábil provoca distorcidas visões sobre o que representam as informações veiculadas para efeito de apresentação de situações das empresas.

Pouco adianta lei e controle governamental exigirem "fidelidade" nos balanços se isso se estriba em conceitos vazios, se as Normas de Contabilidade se colocam acima de tudo.

De nada adiantam acordos e controles governamentais quando eles mesmos consagram o que é contra eles (é paradoxal legislar para impor o que não segue a lei, como vem ocorrendo).

A culpa da crise atual não se pode debitar apenas a debilidade dos gestores, nem de governos, como bem se infere do artigo "Mercados financeiros: os efeitos perversos da transparência", editado no Le Monde, da França, em 30 de setembro de 2008, de autoria do Diretor do Instituto de Gestão Empresarial de Lyon, Pierre-Yves (para referir-se apenas a um de muitos artigos que se têm editado mundo afora).

Todo um complexo cooperou para que o mundo viesse a pagar caro pela irresponsabilidade do processo, inequivocamente apoiado pela má qualidade das normas contábeis elaboradas para ensejarem a subjetividade nos balanços.

Culpa não é da Contabilidade, mas, sim, do que se apresenta como sendo genuinamente contábil dentro de um critério de inversão lógica.

O que hoje clama a Comunidade Européia, exigindo mudanças radicais, através das declarações das maiores autoridades públicas e de grandes intelectuais da Contabilidade, tem toda a razão de ser.

Quem tem cultura contábil de qualidade superior, quem tem experiência por longa prática profissional, quem acompanhou o curso normativo a partir da década de 60, reconhece sem dificuldade o que representa o amontoado de erros contidos no que se elaborou sob o rótulo de "Normas Contábeis".

A dita "Engenharia Financeira" contou inequivocamente com o apoio de uma "Contabilidade Criativa" como pejorativamente a denominou o Congresso dos Estados Unidos em relatório de comissão parlamentar de inquérito, denunciado há 30 anos passados.

A culpa deve-se a um conjunto de fatores e prova a falência do sistema norte americano no campo da Economia, Administração e Contabilidade.

Nunca adiantará apenas responsabilizar fraudadores se a porta da fraude continua aberta.

O que o dito COSO, a Lei Sarbane-Oxley criaram foi apenas o combate a um "efeito", sem erradicar a "causa" e que é exatamente a que enseja a "volatilidade" dos informes contábeis, ou seja, um deficiente sistema de Normas; as portas foram fechadas, mas, não se colocaram os trincos.

Muitos exemplos poderiam ser dados, mas, não são necessários muitos neurônios para saber que um arrendamento mercantil não é imobilizado, que valor de mercado é medida débil para espelhar a realidade objetiva das situações, que despesas não são perdas, que ativo não é recurso, que econômico não é contábil etc. etc.

Demonstrações contábeis quando se editam já não mais representam as realidades objetivas sendo, pois, falácia adotar-se medida dinâmica e aleatória (valor de mercado) para uma demonstração de estática (valor de Balanço).

O que a "Teoria do Valor" em Contabilidade consagra é o reconhecimento da relatividade do instrumento de mensuração, ou seja, a moeda, esta que também se sujeita a ser medida.

Isso requer "prudência" e para tanto se reconhece que não se deve tomar como parâmetro algo extremamente mutável.

Se as Normas estão indiferentes ao que a doutrina científica da Contabilidade enuncia e consagram e impõem as várias mazelas aqui referidas (que são apenas algumas), enquanto não forem fieis à ciência e se enquadrarem nas leis elas ensejarão as fraudes; as ditas Internacionais fixam, sim, ousadamente (basta ler as mesmas) que se as leis forem diferentes e os controles também, prevalecerão as Normas; isto está literalmente expresso.

Trata-se de um absolutismo que se coloca acima da realidade objetiva (que é da essência da doutrina cientifica) e da vontade dos povos (posto que a lei, por natureza, as representa).

Logo, o que está além de tudo não tem compromisso com coisa alguma; assim ditaram-se as IRFS que são bases das ditas Normas Internacionais de Contabilidade, elaboradas por um pequeno grupo de uma entidade particular, o IASB.

Tão primário é entender isso que só o ignorar a matéria, negligenciar na pesquisa do que está a ocorrer ou desejar iludir a opinião de terceiros pode contrariar o preceito lógico referido.

Antônio Lopes de Sá

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